Qual a importância dos rituais hoje em dia?
Livro sintetiza teorias sobre ritos para explicar seu papel na sociedade contemporânea
Competitividade e racionalidade são as principais características da sociedade moderna, na qual as manifestações coletivas estão se tornando progressivamente mais raras e menos importantes. Nesse contexto, os ritos, como reafirmadores dos laços sociais e agentes na produção de sentidos, aos poucos perdem sua função. Dessa perda surgiu a preocupação da etnóloga Martine Segalen em esclarecer o papel que esses ritos e rituais assumem na sociedade do século 20, que resulta no livro Ritos e rituais contemporâneos, recém-lançado no Brasil. Segalen constata um certo "déficit ritual" na sociedade contemporânea, que priva as pessoas do apoio coletivo frente às passagens do tempo e gera dificuldades na criação do senso de identidade dos indivíduos e dos grupos. Nossa sociedade é capaz de reconhecer o papel dos ritos para os povos primitivos, mas não enxerga essa importância para a sua própria constituição. Tendo como exemplo a diminuição do número de batismos percebe-se como as atividades humanas estão pouco ritualizadas. No entanto, as mães procuram outras formas de suprir a ausência do rito, e recorrem a instrumentos como o "álbum do bebê" para registrar as experiências das crianças. Da mesma forma, mudaram de significado as cerimônias fúnebres, cada vez mais modestas, e o casamento, que deixou de ser um rito de passagem e se tornou um ato público de compromisso entre o casal. Outros ritos também tiveram seu significado reduzido pelas modificações sociais. Os ritos de passagem da adolescência para a idade adulta estão cada vez mais vazios, pois refletem uma sociedade que não existe mais. Não é possível demarcar claramente a fronteira entre ambas: atualmente, o adolescente se torna um adulto de forma gradativa. Nesse novo contexto social algumas atividades atuais podem ser definidas como rituais. A paixão pelo futebol ou a prática do jogging mostram como o homem procura espaços para interagir com o coletivo que falta em seu cotidiano. Em seu livro, Segalen procura sintetizar as teorias de Durkheim, Mauss, Mary Douglas, Van Gennep, Bourdieu, Goffman e Turner para compor uma análise da nova realidade. Os ritos nos garantem certas formas de memória e consciência. Sua perda privaria o indivíduo de elementos que conferem sentido à existência social ou individual. No entanto, o desprendimento dos ritos também propicia o despertar de consciência face a novas situações. Por isso, os ritos não estão "desaparecendo" com o tempo. Eles estão apenas ressurgindo modificados. Essa característica flexível torna possível a adaptação dos ritos aos sucessivos instantes da vida, o que, de fato, os caracteriza como contemporâneos. Ritos e rituais contemporâneos parte de exemplos e teorias para trazer ao contexto atual as contribuições do passado, o que o torna singular no mercado editorial brasileiro. Paralelamente, ele marca o retorno de Martine Segalen às salas de aula da Universidade de Paris-10, o que explica o caráter didático do livro.